O Mundo de Seus Sonhos
By Dream Reaper
I
Em um grande espaço vazio havia um menino transparente e acinzentado, envolto em longos panos rasgados. Seu nome era Vlad e aparentava ter cerca de oito anos.
Esse monte de nada repentinamente começou a ganhar forma e cor, como se algo tivesse desencadeado aquilo. Fazendo surgir enormes planícies verdejantes, com raras árvores e abundantes flores.
Um pouco longe de onde o garoto estava, tinha um vilarejo decrépito com aldeões de pele levemente azulada que passam o dia inteiro lamentando não estarem mais na época de ouro de suas vidas.
Ouvindo o som, trazido pelo vento, de enxadas batendo na terra; Vlad caminhou até a fonte do barulho e chegou ao vilarejo, onde as casas eram de alvenaria e sem pintura; todos pareciam autômatos trabalhando em funções diversas, dialogando entre si sem expressividade.
Ao notarem a presença do garoto, todos largaram suas ferramentas e passaram a amontoar-se em torno dele enquanto faziam feições de surpresa e de alívio.
— Finalmente ocê tá de volta! — exclamou um ancião choroso.
— Eu sabia que você voltaria! — saudou uma moça com trajes de aldeã.
— Por que cê sumiu? — perguntou um garotinho segurando um carrinho.
Vlad estranhou aquelas frases, pois para ele, nunca havia estado naquele lugar antes e nunca teria visto aquelas pessoas em sua vida. Mas decidiu dançar conforme a valsa e fingir estar habituado a aquele ambiente.
— Se não for incômodo, vem jantar com a gente na minha casa — convidou o senhorzinho de bengala, com semblante humilde.
— Tem certeza? Eu não te incomodaria?
— Deixa disso, rapaz! Estou te fazendo um convite de bom grado. Ou aceita, ou não aceita. Oras!
— Mas eu quero que ele venha pra minha casa! — berrou uma senhora da esquina de onde estavam.
— Negativo, o nosso herói irá comer na casa mais luxuosa da vila! — exclamou um rapaz vestido com roupas nobres.
De repente Vlad sentiu algo o puxar pela mão e em sua visão ele parecia voar rapidamente. Ao olhar para cima, uma jovem com chapéu de bruxa estava segurando-o.
— Monta na vassoura! Senão eu vou te soltar! — gritou a moça, pois o barulho do vento fazia com que sua fala fosse inaudível.
Vlad se apoiou no cabo da vassoura e com certa dificuldade montou nela. Era difícil manter o equilíbrio, mas depois de um tempo ele pegou o jeito. E lá de cima era possível ver belíssimas paisagens: vastas planícies, florestas, cidades e um enorme castelo em uma colossal montanha; que era para onde aparentavam estar indo, mas a bruxa virou à esquerda e entrou em uma mata fechada.
Em alta velocidade a vassoura esgueirou-se entre as árvores até que parou de repente, fazendo com que tanto a bruxa quanto o garoto saíssem voando. Ela lançou então um feitiço que parou ambos no ar e gentilmente foram devolvidos ao chão.
— Por que fez isso? Quem é você? — indagou Vlad, com expressão de indignação e espanto.
— Ha ha, entre em minha casa que te explico!
— Com licença.
Ambos entraram, limparam os pés e se dirigiram à mesinha de chá, que estava misteriosamente preparado e ainda quente. Ela se deliciou enquanto observava a bela vista da janela e ouvia a bela sinfonia dos pássaros, enquanto ele estava desconcertado com o silêncio gélido.
— Bem, eu sei sobre sua situação, Vlad — disse a bruxa depois de devolver a xícara ao píres.
— Sério? — indagou o menino. — Estou tão confuso, não sei que lugar é esse e quem são aquelas pessoas, mas mesmo assim elas me conhecem e veneram!
— Você é o grande herói deste mundo. Aquele que derrotou todos os males e devolveu a paz, reinou e sem explicação nenhuma sumiu. Fale-me a verdade, você não se lembra de nada?
— Tudo o que me lembro é do vazio antes de tudo ganhar cor. Nada mais que isso.
— Bom, criança; isso é o seu mistério! Deve ir atrás dele por si só, peço que não envolva ninguém deste mundo, pois já sofremos demais.
— Isso quer dizer que você não vai me ajudar?
— Não, como sua mentora devo aconselhar-te, mas nada mais que isso.
— Então o que devo fazer?
— Vá ao palácio colossal, lá você encontrará todas as respostas..
— Você me levará até lá?
— Não, pois isso faz parte também da sua jornada.
— Tudo bem, partirei agora.
— Boa sorte, Vlad, o Sonhador.
II
Após o diálogo, a bruxa deu um conjunto de roupas e uma capa com capuz para o garoto; deu também um par de botas e um cajado, para ajudá-lo a cruzar o caminho. Ele agradeceu os presentes e partiu rumo ao enorme palácio.
Quando a casa da bruxa mentora estava prestes a sair da visão dele, uma densa neblina tomou conta de tudo, mas ele continuou andando; pois o castelo ainda era parcialmente visível por causa do tamanho. Vlad caminhou até o véu da noite cair lentamente sob o céu, e o breu tomar de conta de tudo, exceto por um brilho que vinha do horizonte.
O menino se aproximou de uma cidade, mas foi interceptado por uma figura misteriosa que usava uma capa preta com um capuz que cobria com sombras sua face, além de segurar um lampião cintilante.
— Alto lá, meu rapaz! — alertou a figura com voz de autoridade. — Nunca te vi por essas bandas, tira o teu capuz pra mim ver quem você é!
— Tudo bem, senhor — disse Vlad enquanto tirava seu capuz.
— Meu lorde! É o herói Vlad! Me perdoe por desconfiar de ti!
— Não se preocupa, você está apenas cumprindo seu dever.
— Tá escuro, passe a noite em minha casa — convidou com voz doce e sem rispidez. — Meu marido já deve ter preparado o jantar — disse enquanto tirava também o capuz, revelando um belíssimo rosto feminino maculado com enormes cicatrizes.
Como o turno já tinha acabado, ela guiou o garoto até um pequeno barraco à borda da vila, onde ao se aproximar era perceptível o cheiro de carne assada. Eles tiraram os sapatos e entraram na casa. O interior era simples, mas bem ajeitado; com móveis rústicos, tapetes e estofados de pele, quadros de paisagem e boa iluminação.
O marido deu boas vindas, pôs um grande porco assado à mesa e convidou todos para se sentarem. Ao chamado vieram mais três crianças pequenas e um jovem que trazia um bebê de colo. Após todos se sentarem, o jovem colocou o bebê em uma cadeira alta, sacou uma tigela com comida triturada e começou a alimentá-lo.
A família se manteve quieta durante a refeição inteira e quando acabaram de comer, todos se prepararam para dormir, deixando a cama do casal para Vlad e se amontoando em um canto da sala de estar com colchonetes e cobertores. O silêncio reinou, mas Vlad não pregou os olhos. A casa estava silenciosa ao ponto que se ouvia o assovio do vento e o cantar dos grilos.
Leves passos começaram a ser ouvidos cada vez mais próximo de Vlad, até que a porta se abriu levemente gerando um leve ruído. Com destreza, uma cabeça lentamente surgia por trás da porta, até que uma hora depois, ela estava completamente dentro do quarto.
Obviamente Vlad percebeu isso e permaneceu imóvel e em silêncio, enquanto aquele que lhe importunava lentamente atravessou a porta e lentamente se aproximou da cama.
Vlad sentiu um calafrio e um rápido vento ao lado de sua face, assim como o colchão afundar à sua volta. O filho mais velho da família estava em cima dele e deu uma machadada visando acertar sua cabeça, mas errou por causa de um descuido.
O homicida fez uma pausa, enquanto suspirava, antes da próxima ação. Quando ele ergueu novamente o machado, Vlad tentou se levantar, fazendo desequilibrar o rapaz que caiu para o lado da cama. Aproveitando a deixa, pegou o cajado que estava ao lado da cama e bateu na cabeça do jovem, fazendo-o ir a nocaute.
Logo a família inteira acordou e entrou no quarto, encurralando o menino. As crianças pareciam convertidas em pequenos duendes, o bebê em um gato macabro, o marido em um morto-vivo e a mulher um ogro. Quando começaram a avançar em direção de Vlad, ele pulou a janela e começou a fugir.
Os monstros estavam em seu encalço quase alcançando-o, até que ele pisou em falso e começou a cair em um buraco escuro, que aos poucos se convertia em céu e logo começou a enxergar o chão. Fechando os olhos com força, não notou que sua capa lhe servia de paraquedas, por conta de algum encantamento da bruxa.
III
Vlad aterrissou em um lugar com névoa extremamente densa e sem opção passou a andar cautelosamente para não se chocar com algo. Passando as mãos pelo ar, tocou em algo gelado e sólido. Abaixou-se e passou a percorrer o objeto com as mãos, percebendo que tinha uma espécie de escritura entalhada.
Olhando bem de perto notou que era uma lápide de pedra. E se assustou, caindo para trás, onde trombou em outra lápide. A esse ponto a névoa estava se dissipando e revelou que ele estava em um cemitério ao lado do castelo monumental. Olhou em volta e achou a saída, um enorme arco de pedra enfeitado e cercado com gárgulas, portanto correu assustado até ela. Mas alguém surgiu de uma pequena cabana e o segurou.
— Parado aí, ladrãozinho de túmulos! — berrou o coveiro velho que usava um manto marrom esfarrapado e remendado, portava uma bengala e tinha uma enorme mancha no rosto.
— Me solta, eu quero sair daqui!
— Só te solto se me convencer. O que tu tava fazendo aqui?
— Não sei, só caí de um lugar alto e quando percebi, estava aqui.
— Intrigante, mas me diz, qual o teu nome?
— Sou Vlad.
Nesse momento o ancião arregalou os olhos e caiu de joelhos, pedindo perdão como se tivesse insultado um deus, assim como soltou o garoto que saiu correndo em direção à saída.
Fora de lá dava para ver a quase infinita parede do castelo, assim como a paisagem de onde ele veio, portanto contornou a magnífica estrutura em direção a entrada que havia visto no voo que tinha dado com a bruxa um dia antes.
Levou a noite toda para chegar à entrada e quando chegou, o alvorecer dourado e alaranjado começava a colorir e dar vida a tudo. Ao lembrar de sua tarefa, deixou de contemplar e entrou pelas portas de trinta metros de altura.
Conforme abria, um brilho dourado cegante saía de lá dentro. Quando terminou de abrir viu um luxuoso hall de entrada, que se parecia com uma pintura surrealista, com diversos empregados fazendo as mais variadas funções.
— Quem é você, traste? — perguntou um mordomo com cabeça levantada e olhos entreabertos.
— Sou Vlad.
— Impossível! Você é o rei?!?! — brandou o mordomo com olhos arregalados — Mil perdões, venha que te levarei à sala do trono!
Ele segurou Vlad pelo braço e o puxou atravessando diversas portas que pareciam conectadas sem lógica nenhuma, até que uma delas levou até outra porta gigantesca que era adornada com ouro e pedras preciosas.
Sem dizer nada, o mordomo abriu a porta e desmaiou com o que viu lá dentro. Vlad sem entender nada entrou na sala e também se espantou, pois quem estava sentado ao trono era ele mesmo, mas tinha uma barba gigantesca e estava dormindo.
— Perdão, sua majestade, mas desejo falar com ti — anunciou Vlad em voz alta.
O eco da voz do garoto percorreu a sala inteira até se extinguir em silêncio, mas mesmo assim o rei permanecia dormindo. Então ele pegou o cajado, apontou para o velho e da ponta dele emitiu uma luz extremamente brilhante, que em um susto fez o rei acordar. Mas ao isso acontecer, tudo em volta deles sumiu, voltando a ser um monte de nada.
— Como ousa me acordar, pirralho? Não vê que eu estava dormindo? Agora olha o que você fez!
— Mas eu precisava falar com o senhor! Meu nome é Vlad e eu…
— Eu sei quem você é! Agora desembucha!
— O que é esse mundo? Por que todos me veneram? Como que eu não me lembro de nada?
— Essa resposta é muito óbvia, você sou eu e tudo isso não passa de um sonho! — disse o rei enquanto abria um grande sorriso ostentando seus dentes dourados. — Este mundo foi criado por ti, na infância.
— Na infância? Mas eu ainda sou criança!
— No sonho você é, mas na realidade não. Esse sonho não passa de uma resposta de seu subconsciente para as dores e aflições que você passou durante a vida. Na verdade eu sou a representação do heróico garoto que desbravou estas terras e dormiu no trono após o acordar do sono. Assim como você é o garoto que retornou anos depois para tentar reviver as aventuras, mas agora está em um mundo moldado pela paz.
— Se isso faz sentido, como que eu não tenho recordações?
— Após acordar, esquecemos boa parte de nossos sonhos, mas nos agarramos aos cacos que sobram. E agora que você chegou ao fim de sua jornada, temo que é a hora de acordar.
— Espera, eu não entendi nada ainda!
— Entenda após acordar! — gritou o rei enquanto estendeu a mão direita que lançava um globo luminoso em direção do garoto.
A esfera brilhante flutuou da mão do velho e planou lentamente até encostar na testa de Vlad, que começou a ver tudo o que havia esquecido, assim matando todo o sonho que havia lutado para voltar a sonhar.
— Espera, eu não quero ir embora ainda!
— Adeus Vlad, não esqueça de escrever antes que tudo se perca novamente!
Luminosos raios solares entravam pela janela quando o homem velho abriu seus olhos que estavam cheios de lágrimas. Ele finalmente se recordou daquilo que lutou uma vida inteira para relembrar. Desde sua triste infância nas ruas, sua pré-adolescência no orfanato, os estudos de psicologia na faculdade e diversos livros sobre sonhos lúcidos; somente voltou a aquele mundo depois de muito velho, em uma cama de hospital.
Ainda com lágrimas nos olhos, pegou sua caderneta ao lado da cama, que sua filha trouxe sabendo que o pai adotava o costume de escrever depois de acordar, e escreveu toda a sua aventura que havia vivido naquela noite, de como passou de Vlad, até o rei daquele sonho.
Mas depois de se acalmar notou que estava mais novo que de costume, portanto olhou para trás e viu que seu corpo estava estirado na cama, com a caderneta e o lápis na mão. Vlad morreu após terminar de escrever seu sonho e seu espírito permaneceu na sala do hospital para se despedir de seus familiares que chegaram correndo após ouvir o barulho da máquina.
Sua filha publicou todo o relato que estava na caderneta e Vlad passou a ser conhecido por diversas pessoas de fora de seus sonhos. Assim satisfeito, ele foi embora para o além, depois de ter visitado o mundo de seus sonhos.
Que capítulo brilhante e envolvente! A maneira como você conduz o leitor por um universo onírico e ao mesmo tempo repleto de camadas emocionais é simplesmente fascinante. Vlad é um personagem que carrega mistérios profundos, e sua jornada nos faz questionar as fronteiras entre sonho e realidade. As descrições vívidas do vilarejo, da bruxa e do castelo monumental criam uma atmosfera de encanto e tensão, enquanto a reviravolta final adiciona um impacto emocional avassalador. Uma narrativa que consegue ser épica e intimista ao mesmo tempo, mantendo o leitor cativado até a última linha. Continue, por favor, Lord Kanesuki! ❤️
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