Autofagia

Autofagia

By Kanesuki 


 Saindo do vestíbulo em direção à sala de estar, um homem com uma mala caminhava em passos rápidos.

— Vejo que o senhor se viciou nesse hábito repulsivo...— anunciou o visitante.

— Oras, não me viciei em nada! Além do mais, não vejo o que seja repulsivo...— retrucou o amigo, um conde recluso da sociedade.

— NÃO VÊS? TU NÃO PARAS DE SE AUTOFAGIAR! DEPRAVADO! A CADA PEDAÇO TEU QUE COMES, NASCE OUTRO CORROMPIDO NO LUGAR!

— Não vejo como isso é problema se...

— NÃO VÊS? TOLO! ÉS UM EGOÍSTA! ISSO QUE TU ÉS! UM EGOÍSTA FAMINTO PELA PRÓPRIA DESGRAÇA!

— Sabes que cometes um crime falando isso? Mas não se preocupe, não irei delatar-te, afinal somos amigos apesar de tudo...— disse o Nobre em tom mais ameno. 

— Amigos? Eu sendo amigo de um autófago? Não me leve a mal, mas não apareça mais na minha frente! Não quero mais ver esse seu semblante deprimente!

O homem atirou sua mala no chão, vestiu seu casaco que estava no vestíbulo e saiu batendo a porta como um estrondo.

O Nobre, atordoado pela discussão, estendeu seu fino e longo braço abrindo sua mão como uma flor com pétalas deformadas e desbotadas sobre a mala, ao abrir, sua expressão foi surreal; uma mistura de êxtase, surpresa e tristeza.

Há 25 anos, durante duas semanas, um anjo visitava seus sonhos afim de roubar seu coração. Até que um dia realmente conseguiu, mas o garoto estava atordoado demais para lutar.

Dentro da mala estava o coração do anjo, perdido há eras.

Seus dedos repulsivos tremiam incessantemente, até se aproximarem mais e mais do coração e, ao tomá-lo em mãos, tratou de devorá-lo como uma fera irracional.

O Nobre não mais via a luz, não mais sentia os toques, mas em seu peito sumia o buraco infinito que carregava desde o sumiço do anjo, que pela falta do próprio coração, roubou do Nobre quando garoto.



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